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Para ler e saborear

9 fev

Não digas nada!

“Não digas nada!

Nem mesmo a verdade

Há tanta suavidade em nada se dizer

E tudo se entender —

Tudo metade

De sentir e de ver…

Não digas nada

Deixa esquecer

Talvez que amanhã

Em outra paisagem

Digas que foi vã

Toda essa viagem

Até onde quis

Ser quem me agrada…

Mas ali fui feliz

Não digas nada.

Fernando Pessoa, in “Cancioneiro”

Bjs

Nanda

Adiamento 

22 set


Compartilho com vocês uma poesia encantadora que gosto muito e, com certeza, nos faz refletir sobre o passado, presente e futuro.

“Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã…
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não… 
Não, hoje nada; hoje não posso. 

A persistência confusa da minha subjetividade objetiva, 
O sono da minha vida real, intercalado, 
O cansaço antecipado e infinito, 
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico… 
Esta espécie de alma… 
Só depois de amanhã… 

Hoje quero preparar-me, 
Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte… 
Ele é que é decisivo. 

Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos… 
Amanhã é o dia dos planos. 
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo; 
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã… 

Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro… 

Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo. 
Só depois de amanhã… 

Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana. 
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância… 
Depois de amanhã serei outro, 
A minha vida triunfar-se-á, 
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático 
Serão convocadas por um edital… 
Mas por um edital de amanhã… 

Hoje quero dormir, redigirei amanhã… 
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância? 
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã, 
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo… 
Antes, não… 

Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei. Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser. 
Só depois de amanhã… 

Tenho sono como o frio de um cão vadio. 
Tenho muito sono. 
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã… 
Sim, talvez só depois de amanhã… 

O porvir…
Sim, o porvir…”
Fernando Pessoa



Bjs



Nanda